terça-feira, 13 de abril de 2010

PRÓXIMA PARADA


Salvador entra no rol de cidades que apostam na mobilidade urbana, via BRT, sistema que usa ônibus de alta capacidade e corredores exclusivos.

O dia da recepcionista Vilma Borges, 36 anos, começa cedo. O despertador toca às 6h, quando ela inicia a corrida contra o tempo para ir ao trabalho. sai de casa, em Mussurunga – bairro situado nos limites da zona urbana e próximo ao aeroporto – às 6h30, pega o primeiro ônibus do dia até a Estação Mussurunga, onde embarca num outro que, agora sim, a levará ao seu destino final, um consultório médico situado na avenida antonio carlos Magalhães. chega por volta das 8h, se não enfrentar engarrafamento no trajeto.

Mas, nem de longe, o deslocamento é tão simples como pode sugerir a narrativa acima. na hora do pico da manhã, são quase 4,5 mil pessoas que buscam embarcar nos ônibus da Estação, enfrentando esperas de até meia hora,empurrões e pisadelas. Vilma e outros tantos passageiros disputam um assento. Previsivelmente, vencem os mais fortes. E, se a ida é tumultuada, a volta é ainda pior. Quando pode, ela sai do trabalho alguns minutos mais cedo para tentar pegar o ônibus das 18h, que lhe confere um retorno mais rápido. Desse horário em diante, as vias se tornam congestionadas e o tempo de viagem é uma incógnita. “Chego em casa, quando tenho sorte, às 20h. É muito cansativo!”, desabafa.

Com ligeiras variações, a rotina que a recepcionista vive de segunda a sexta-feira é a mesma de milhares de soteropolitanos que dependem do transporte público e realizam 1,6 milhão de viagens, diariamente, para desempenhar suas atividades cotidianas. segundo o superintendente do sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de salvador (sEtPs), Horácio Brasil, o sistema de transporte tem como suporte um tripé formado por operação, gestão e infraestrutura. “Quando um desses vetores não funciona corretamente, acaba afetando o todo”, pontua.

Obstáculos

Mestre em engenharia de transporte e atuando há quase 30 anos no setor, Brasil aponta que durante muito tempo a gestão não cuidou do transporte, acabando por afetar a infraestrutura da cidade. como resultado dessa negligência, o ônibus hoje enfrenta uma série de obstáculos, a exemplo de quebra-molas, semáforos desregulados e buracos na pista, o que dificulta ainda mais a operação, analisa Brasil.

Com aproximadamente três milhões de habitantes circulando por vias subdimensionadas para o atual volume de veículos, salvador já apresenta um trânsito saturado, entende o superintendente. “A solução é melhorar a qualidade do transporte público para estimular a classe média a utilizá-lo”, avalia. “assim, desafogam-se as vias durante a semana e os carros de passeio passariam a ser utilizados apenas nos finais de semana”, sinaliza.
E o que tem sido feito para desatar o grande nó que é a mobilidade urbana em salvador? Quando os proprietários de veículos deixarão o carro na garagem e passarão a utilizar o transporte coletivo? Para o arquiteto especialista em mobilidade urbana Francisco Ulisses Santos Rocha, chefe do setor de Planos e Projetos de Transporte da secretaria Municipal dos transportes e infraestrutura de salvador (setin), o maior incentivo à melhoria do trânsito e do transporte público na cidade está sendo a copa do Mundo de 2014. como se sabe, a capital baiana está entre as cidades brasileiras que sediarão o megaevento e, justamente por isso, pode se beneficiar com a implementação de grandes projetos – alguns dos quais em desenvolvimento desde 2005 – voltados para a melhoria da qualidade de vida dos soteropolitanos.

E que fique claro: engana-se quem pensa que apenas construir novas pistas e viadutos ou duplicar avenidas de vales sejam intervenções suficientes para dar fluidez ao trânsito de salvador, uma cidade com uma frota estimada em mais de 600 mil carros, já que, no entender de Francisco Ulisses, mobilidade se resolve com transporte público de qualidade, enquanto que os congestionamentos se resolvem com restrição ao uso do carro. Pensando nisso, a setin, a transalvador e técnicos do SETPS elaboraram a Rede Integrada de Transporte (RIT), um projeto que apresenta um novo olhar sobre o sistema de transporte público, priorizando o transporte coletivo através de vias exclusivas segregadas do tráfego em geral, valorizando o passageiro, a flexibilidade, rapidez e o baixo custo, e leva em conta o atual perfil da mobilidade na cidade, sem, no entanto, deixar de solucionar os principais pontos de congestionamentos da cidade.

A RIT e o BRT

A RIT envolve duas frentes: o investimento no transporte público, através da implantação dos corredores do BRT (o Bus Rapid Transit uma nova modalidade de transporte), e a expansão do sistema viário – construindo 40 km de novas vias e 38 km de duplicações – uma vez que as duas variáveis formam uma rede e dependem uma da outra para um bom desempenho. o projeto engloba ainda a modernização dos trens do subúrbio Ferroviário, a extensão do metrô até o bairro de Pirajá e toda a reformulação das linhas de ônibus já existentes, para permitir a integração entre os meios rodoviário e ferroviário de transporte.
lançado pioneiramente em curitiba- PR, o BRT está sendo implantado em mais de 100 cidades em todo o mundo.

O superintendente do sEtPs, Horácio Brasil, destaca o baixo custo de implantação como uma das vantagens do BRT, que tem uma logística muito parecida com a do sistema metroviário, do ponto de vista da rapidez e agilidade, embora ande sobre pneus, em vez de trilhos. Para viabilizar o BRT são necessários, em média, 10% dos recursos investidos num metrô. de acordo com o projeto apresentado, o sistema vai eliminar os 12 principais pontos críticos do trânsito de salvador – incluindo o já crônico engarrafamento da avenida Luiz Viana Filho, a Paralela.

Na frente

Dentre as cidades escolhidas como sedes da copa 2014, salvador é a que está mais adiantada no que se refere ao planejamento de trânsito e transporte público. A vantagem se deve ao fato de o projeto funcional da Rit ser anterior à decisão da Federação internacional de Futebol (Fifa), explica Francisco Ulisses, da setin. “O Projeto do BRt é um projeto para salvador e sua população, a escolha da cidade como umas das sedes dos jogos da copa 2014 veio contribuir para consolidar a sua viabilização financeira e implantação num prazo menor”, diz o técnico.

Uma boa notícia: já estão assegurados, até o momento, recursos do Pac copa da ordem de R$ 567 milhões para a implantação do corredor BRt aeroporto – acesso Norte, com integração do Metrô na Estação Acesso Norte. Prefeitura e Estado vêm se mobilizando para tentar ampliar o aporte financeiro visando à implantação
do trecho iguatemi-lapa. Resta torcer e esperar, até porque, alerta Horácio Brasil: “Para causar impacto no sistema é necessário que se tenha o trecho cruzado, que chamamos de x: aeroporto-lapa e calçada-Pituba”.
Na opinião do executivo, é preciso cuidado para que não se venha a ter um BRT incompleto, como o metrô, que, nos moldes atuais, não atende às expectativas de um transporte de massa. “o metrô de salvador só vai atingir a eficácia desejada quando chegar a cajazeiras”, estima. “Não podemos correr o mesmo risco com o BRT”.

As experiências demonstram que o BRt é uma saída economicamente viável eficaz. são Paulo, goiânia, Bogotá (colômbia), joanesburg (África do sul), guadalajara (México), londres (inglaterra),Nova York (Eua), são alguns dos grandes centros que já se renderam à excelência do Bus Rapid Transit. E salvador, em dois ou três anos, deve entrar para este seleto rol de cidades, em que personagens como a recepcionista Vilma Borges, aquela que mora em Mussurunga e trabalha na avenida ACM, tenham uma melhor qualidade de vida e não precisem passar até três horas diárias dentro de um ônibus lotado e preso em um congestionamento…

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