sábado, 31 de julho de 2010

Barracas de luxo investiram pesado mas também vão ser demolidas

Alexandre Lyrio | Redação CORREIO
alexandre.lyrio@redebahia.com.br

Esqueça a internet wi-fi e as sessões de massoterapia do Lôro, não espere mais as badaladas tardes de música eletrônica com DJs profissionais da Marguerita e nem sonhe como delicioso camarão caribenho da Cancún. As regalias à beira-mar das barracas de Praia de Salvador estão com os dias contados.

Nem mesmo os vips escaparam da decisão do juiz da 13ª Vara da Justiça Federal, Carlos D'Ávila. Localizados em sua maioria na Praia do Flamengo, também foram notificados entre os 353 estabelecimentos que serão demolidos. Os proprietários têm, da mesma forma que os outros, dez dias para deixar os locais.

A barraca Cancún Beach já chegou a gerar R$ 12 mil de lucro num domingo de Verão

Milhões de reais investidos em grandes estruturas. Verdadeiros castelos que têm tudo para virar areia. Há dois anos, o proprietário da barraca Cancún Beach, Silvio Ferreira, investiu nada menos que R$ 600 mil no estabelecimento.

Ultimamente, lucrava cerca de R$ 12 mil num domingo de Verão. Hoje, a única coisa que consegue faturar são calafrios.Perdeu o sono depois que prepostos da Justiça Federal apareceram com a intimação. Terá de deixar tudo que construiu para trás.

“A gente está com o coração na mão. É o investimento de uma vida inteira”, lamenta Silvio, que diz empregar 12 pessoas com carteira assinada, além de diaristas, a depender
do movimento.

Com cerca de 800 m² de área, a barraca Marguerita, um das mais frequentadas, também terá que sair da Praia do Flamengo. “Fiquei de cama, com febre. Não dormi a noite toda. Que situação, rapaz”, disse o gerente, José Raimundo de Araújo. Segundo calcula, foi investido mais de R$ 1milhão no estabelecimento, fora as reformas. A Marguerita está há seis anos na Praia do Flamengo e tem 16 funcionários fixos. “Estamos desnorteados”, afirma Araújo.

LAUDO AMBIENTAL
O proprietário da Barraca do Lôro, Aloísio Melo Filho, o próprio Lôro, se diz perplexo. Não consegue conceber a ideia de um trator derrubando todo o investimento. Valores que prefere não revelar. Dono de uma das mais tradicionais barracas de Salvador, criada há 15 anos, Lôro revelou que o grupo de 12 barraqueiros de Praia do Flamengo chegou a contratar uma empresa para a elaboração de um laudo ambiental.

Queriam provar que a situação dos comerciantes da Praia do Flamengo é diferente. “Temos esgoto e estamos afastados mais de 30 metros da praia. Além disso, geramos segurança, organizamos o lixo e nosso óleo é reciclado. Na minha barraca, a água é reaproveitada. Queremos tentar esse laudo para pleitear um Termo de Ajustamento de Conduta junto ao MPF”,argumentou Lôro.

Lotada nos finais de semana, a Barraca do Lôro sempre se destacou pelo serviço de primeira e culinária variada. No cardápio, desde lambreta até pratos sofisticados.Tem 40 funcionários com carteira assinada. No último mês de julho, mesmo com toda a chuva, recebeu cerca de 1,5mil turistas. “Faço um apelo às autoridades. Estamos na boca do Verão. Não tenho alternativas”. diz Lôro.

TRAJETÓRIAS
O pedido é semelhante ao do dono da Veleiro, o italiano Massimo Pascucci. Gastou cerca de R$ 600 mil como investimento inicial e mais R$ 100 mil numa reforma do equipamento. “Tenho cinco banheiros e três decks, uma estrutura de primeira”, afirmou, quase espumando de raiva e batendo várias vezes o pé sobre o piso de madeira. “Tá vendo isso aqui? É madeira. Não é concreto, não. Qual o impacto ambiental que isso tem?”, questiona.

O italiano Massimo Pascucci conta que investiu cerca de R$ 600 mil na Barraca Veleiro

Alguns dos donos das barracas de luxo começaram de baixo.O casal Agdo Salomão e Simone Teixeira, proprietários da Estação Aleluia, chegaram a ser vendedores ambulantes. Rodavam as praias comercializando queijo provolone. Juntaram dinheiro e compraram a primeira barraca, meio improvisada. Depois, foram beneficiados pelo projeto de reforma da prefeitura. “Não temos nem o que dizer. Nos resta agora só ter esperança”, disse Simone.

SONHO
O próprio Silvio Ferreira, da Cancún, foi gerente em diversos restaurantes antes de abrir o próprio negócio. “Um antigo sonho vai virar entulho. Vou bater na porta dos meus velhos patrões”. A decisão do juiz tem uma amplitude muito maior do que se imagina. Desde os proprietários até garçons, vendedores ambulantes e até flanelinhas. Todos estão desolados.

“A casa caiu. Aliás, a barraca”, disse um garçom. Parte se mostra revoltada. “Pelo visto, pobre tem é que roubar mesmo. Senão dá nisso”, exagerou uma garçonete. Quanto aos banhistas que tanto gostavam da mordomia, um conselho: tratem agora de comprar um bom isopor e prepare, na véspera, bons tira-gostos e cerveja gelada para curtir a sua praia.

O barão de Itapuã
A história corre solta entre moradores da vizinhança. Belo dia, um milionário que morava à beira-mar resolveu acabar com a balbúrdia atrás do seu quintal nos finais de semana. Resultado: comprou as seis barracas de praia instaladas atrás de sua casa.

Barracas em Itapuã foram compradas por milionário em busca de paz

Pouca gente conhece as estruturas, que ficam numa faixa de areia de cerca de 100 metros, em Itapuã. A casa é uma enorme mansão e, de vez em quando, a família utiliza os locais, quase sempre fechados. “Ele abre às vezes para não dizer que não usa os espaços. Aí vende uma água de coco parar ‘tirar de tempo’”, disse um vizinho, que preferiu não se identificar.

Para surpresa de todos, o milionário também foi notificado ontem pela manhã e as estruturas irão ao chão. Pelo menos é o que garantiu um dos seguranças dos belos quiosques, cercados com obras de arte de Bel Borba. Sem informar o nome do proprietário, o segurança disse que ele não estava em casa. Pouca gente conhece aquele pedaço de paraíso, sempre vazio e seguro. Mesmo perdendo as seis barracas de uma vez, ainda estará longe da balbúrdia.

Juvená só aguarda
Sem perder a tranquilidade e, mais do que nunca, com as barbas de molho, Juvenal Silva de Souza, o Juvená, ainda espera pela notificação da Justiça Federal. Dos mais folclóricos barraqueiros de Salvador, ele espera pelos oficiais de Justiça como um ancião aguarda o último dia de sua vida. “A qualquer momento eles podem passar. Tiro meu sustento todo daqui É uma tristeza”. As tardes de “orgasmos astrais”, como destaca o próprio barraqueiro, devem acabar. Pelo menos à beira-mar.

Juvená e sua famosa barraca em Itapuã: amigos de vários países

Originalmente, a Barraca do Juvená ficava fora da praia, na rua da Passárgada, também em Itapuã. Tudo indica que vai retornar para o mesmo local que explorou por mais de 20 anos, onde inclusive mora hoje. Há 27 anos, Juvená migrou para a praia, entre as ruas K e J. Com música ao vivo que vai até o cair do sol, além da cerveja sempre gelada, Juvená costuma movimentar todo o bairro. Os amigos chegam de todas as partes do mundo.

Durante décadas, Juvená levou sua barraca para as diversas festas de largo. Mas seu maior prazer é trabalhar sentado debaixo de um dos sombreiros, perto do mar. “Não me imagino mais longe do mar. Lá no outro espaço não tenho uma estrutura tão grande, mas é minha alternativa”. Agora, as tardes de Itapuã ficarão mais tristes.

Após decisão, juiz infartou e está internado
O juiz Carlos D'Ávila está internado na UTI do Hospital Espanhol, na Barra. Ainda não se sabe o real motivo da internação, mas as primeiras informações dão conta de que ele sofreu um infarto alguns dias após a decisão judicial em que manda derrubar as 353 barracas. O número não inclui as estruturas de São Tomé de Paripe, Ribeira, Monte Serrat e Cantagalo, já que a prefeitura não informou a quantidade de barracas nesses locais.

Os 12 barraqueiros da Praia do Flamengo são um grupo à parte. Não se envolvem com os demais. Tanto que ontem fizeram uma reunião em particular. Pouco ficou definido, a não ser o argumento principal a ser usado daqui para frente para tentar reverter a situação. “Não somos barracas, mas restaurantes”, disse o dono da Veleiro, Massimo Pascucci.

(Reportagem publicada na versão impressa do CORREIO* de 31 de julho de 2010)

Nenhum comentário: