domingo, 28 de setembro de 2008

Governo anuncia iluminação do Pelourinho, mas defensores da área temem exagero


Mary Weinstein, do A TARDE


Catedral Basílica também será iluminada

Olhar o Elevador Lacerda da Praça Cayru pode provocar uma certa curiosidade, especialmente por causa da iluminação que jogaram sobre ele. É roxa. Em seguida, verde. Depois, amarela.

No Morro do Cristo, Barra, as lâmpadas estão embutidas em postes de aço que aparecem tanto quanto o monumento malconservado do italiano De Chirico. As luzes, nesses casos, desvalorizam o que se quer ver acentuado. O assunto adquire importância ainda maior agora, quando o governo estadual anuncia que 23 monumentos no Terreiro de Jesus, Pelourinho, Carmo e Praça da Sé terão uma “iluminação cênica”.

Outra providência é que as luzes no Pelourinho e na Baixa dos Sapateiros serão intensificadas para que nenhum ponto fique às escuras. O objetivo é tornar becos e ruas seguros. O conjunto da obra vai custar R$ 4,8 milhões, a serem pagos por meio da Lei de Mecenato.

As novas luzes deverão começar a ser colocadas até dezembro, mas, desde já – momento em que se projeta o artifício –, suscitam interrogações referentes à adequação da ação, cujo alvo é um conjunto colonial de extraordinária importância – o do Centro Histórico de Salvador.

A notícia motivou questionamentos desde que A TARDE divulgou que o engenheiro Plínio Godoy, que iluminou a ponte estaiada Otávio Frias de Oliveira em São Paulo, seria o autor do projeto de colocação das luzes sobre os monumentos aqui na Bahia. Recém-inaugurada, a ponte muda de cor consecutivamente e se tornou ponto turístico por causa do espetáculo que passou a oferecer.

Entendimento – O presidente da Associação Cultural Viva Salvador, Dimitri Ganzelevitch, pensou que, se não houver um entendimento desde já sobre o que se quer e se pode fazer nesta área que é Patrimônio da Humanidade, a situação pode se tornar tão grave quanto a que culminou com a retirada das pedras portuguesas da Barra.

Ganzelevitch lembrou de uma visita que fez ao Parthenon, em Atenas. “Em uma viagem turística, sentamos em um restaurante que tinha uma vista panorâmica para a Acrópole. De repente, a paisagem fica roxa, depois, lilás, e assim por diante. Era abominável. Tinha som também, mas, felizmente, de onde nós estávamos, não dava para ouvir. Só de pensar que podem fazer a mesma coisa com a Catedral Basílica, com a Igreja de São Francisco (que já tem espetáculo de som e luz sobre as talhas barrocas) ou com a Igreja do Rosário dos Pretos, me assustei”, reagiu Ganzelevitch, que vem se empenhando na defesa do patrimônio material e imaterial de Salvador.

“O Centro Histórico não são simplesmente monumentos isolados. Tem que haver um entendimento daquele contexto. Todas as casas são lindas, as janelas, as sacadas, as maçanetas das portas. A arquitetura barroca é um espetáculo por si só”, disse, preocupado com o risco de se enfeitar demais o Pelourinho.

“Não é porque esse engenheiro fez um aparato technicolor em São Paulo que se tornou a pessoa mais adequada para a missão em Salvador. Uma coisa é fazer uma pirotecnia sobre uma ponte moderna. Outra é valorizar um lugar que é Patrimônio da Humanidade. Devia se fazer uma concorrência, um concurso”, sugeriu.

Na assinatura do protocolo de intenções desses projetos, o governador Jaques Wagner falou sobre a implantação de shows de som e luz no Pelourinho, a exemplo dos que assistiu em outros países que visitou. O governador acha que a música pode atrair mais freqüentadores. E lamentou não haver verba para fazer isso agora, de forma completa, em Salvador.

Sobre a sugestão, o superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leonardo Falangola, disse que o governador “tem o direito de se manifestar” e lembrou que “já existe uma fonte luminosa na Praça da Sé que conta com recursos do gênero”. Ele disse que este projeto passa necessariamente pelo Iphan. Sobre a iluminação, a coordenadora do Escritório de Revitalização do Centro Antigo, Beatriz Lima, garantiu que não haverá troca de luzes sobre monumentos.

Iluminação – A diretora da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, Solange Souza, que é doutora na área de iluminação e metodologia de projetos, diz que o fundamental ao iluminar é entender o contexto. “É importante compreender a história, a dinâmica e a leitura que se faz do espaço, até para que se possa destacar os elementos que devem ser valorizados e qual tecnologia deve ser usada”, disse ela.

Conforme a diretora, é preciso haver compreensão plena das texturas e do uso para que se eleja elementos que não alterem as formas do que se quer iluminar. “O que se percebe é que, muitas vezes, a luz entra em competição com a obra. E não se pode ter manchas ou ofuscamentos excessivos”, orienta a professora.
Ela explica que, quando a quantidade de luz é grande, acaba se descaracterizando a forma arquitetônica. É importante se localizar o ponto de luz e escolher a cor, evitando poluição visual. “Às vezes, não tem fios à vista, mas tem tantos canhões que acabam com a limpeza da leitura”, disse Solange Souza.

Para ela, não é interessante transformar o objeto em espetáculo. “Ele é o que ele é. Expressa história. Não deve ser mascarado. Se é teatro, aí vale. Mas, em arquitetura, o que se busca é a discrição, a sobriedade e o respeito pela obra. No caso de Salvador, você tem que mostrar o casario e respeitar a identidade, as formas e as cores”, finalizou.

A coordenadora de Eficiência Energética da Coelba, Ana Cristina Mascarenhas, informou que a iluminação será feita com lâmpadas do tipo LED (Light Emissor Diod), que ilumina melhor e por um custo menor. O projeto é uma parceria entre a Coelba, e a Secretaria de Cultura (Secult), com a participação da Secretaria Municipal de Serviços Públicos, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e do Fórum Municipal para o Desenvolvimento Sustentável do Centro da Cidade.

http://www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=971213

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